Por
Xico Graziano
Pasmem: o Brasil está importando etanol dos
Estados Unidos! O país que inventou o Proálcool, pátria dos veículos flex, o
maior produtor mundial de cana-de-açúcar, anda de marcha à ré no combustível
renovável. Primeiro incentivou, depois maltratou sua destilaria, dando
prioridade à poluente gasolina. Um vexame internacional.
Navios carregados de álcool anidro
norte-americano começaram a descarregar 100 milhões de litros no Porto de
Itaqui (Maranhão). É somente o começo, destinado ao abastecimento do Nordeste.
No total, as importações serão bem mais volumosas. Para facilitar, o governo
Dilma desonerou de impostos (PIS e Cofins) as compras de etanol no exterior,
dando um tapa na cara dos produtores nacionais. Surreal.
Há décadas, na agenda planetária os
combustíveis renováveis começaram a se impor nos transportes, preliminarmente,
por causa do encarecimento do petróleo. Recentemente, com a ameaça do
aquecimento global, nações investiram na busca de energias alternativas,
ambientalmente vantajosas diante das de origem fóssil. O sonho dos países
desenvolvidos, liderados pela Europa, é esverdear sua matriz energética
utilizando fontes solares, eólicas ou oriundas da biomassa. Todos avançaram nas
energias chamadas limpas. Aqui andamos para trás.
Tudo caminhava bem. Eleito o PT, no seu
primeiro mandato o presidente Lula recebeu George W. Bush usando o boné dos
usineiros. Interessado em abastecer o crescente mercado dos Estados Unidos, o
setor sucroalcooleiro nacional estava animado. O etanol brasileiro, mais
competitivo, ganharia o mundo. Nesse contexto vitorioso, as montadoras
lançaram, em 2003, os carros flex, dando mais segurança aos consumidores.
Em
cinco anos a quilometragem rodada por veículos movidos a etanol ultrapassou os
a gasolina, trazendo grande vantagem ecológica. Segundo Décio Gazzoni
(Embrapa), especialista em agroenergia, as emissões líquidas de CO2 equivalente
causadas pela queima de um litro de etanol somam apenas 400 gramas, ante 2.220
gramas da gasolina. Além da redução do desmatamento na Amazônia, o País também
contribuía para a agenda do clima reduzindo as emissões de CO2 na atmosfera em
razão do efeito substituição da gasolina pelo etanol. Show de bola.
A partir de 2009, surpreendentemente,
entramos na contramão da História. Uma trágica concepção da política pública
levou o governo Lula a dar prioridade à a gasolina da Petrobrás, em detrimento
do álcool combustível. Ninguém sabe explicar ao certo os motivos dessa
reversão. Houve, isso é patente, uma contenção artificial dos preços da
gasolina, impedindo, por tabela, o etanol de remunerar seus custos de produção.
Pode ter segurado a inflação. Mas quebrou a Petrobrás e faliu o setor
sucroenergético nacional. Ao invés de dominar o mercado exportador, o Brasil
tornou-se importador de etanol. De milho.
Influenciados pelo movimento ambientalista,
os norte-americanos, na Califórnia especialmente, decidiram apostar no
combustível alternativo. Sua acertada escolha, porém, exigiu uma mudança
técnica com relação ao Brasil: utilizar o grão de milho, e não o caldo da
cana-de-açúcar, nas destilarias. Por que razão? Acontece que o cultivo da
cana-de-açúcar é próprio das regiões tropicais, onde as lavouras permanecem no
terreno por vários anos, sucessivamente colhidas. Nos países temperados, o frio
intenso do inverno interrompe o cultivo contínuo dos campos.
Do Golfo do México para cima,
geograficamente, as condições climáticas tornam-se restritivas para as espécies
vegetais cultivadas de forma "semipermanente", como a cana. Somente
sobrevivem ao período gelado as plantas que perdem as folhas sazonalmente, como
as frutíferas, por exemplo. Ou certas árvores adaptadas, como os pinheiros.
Basta olhar as recentes tempestades de neve nos EUA para verificar a
interrupção do ciclo agrícola. Nenhum canavial resistiria àquelas baixas
temperaturas.
Sobrou para os gringos triturarem o milho
nas destilarias. Colhidas as lavouras e estocados os grãos, o armazenamento
permite estender seu consumo meses afora. Montanhas de milho aguardam a hora de
ser moídas e fermentadas nas dornas, produzindo o álcool que o mundo adotou
como etanol.
Qualquer matéria-prima contendo açúcares ou
carboidratos pode sofrer fermentação. Nesse processo químico-biológico,
conduzido por bactérias em condições anaeróbicas, o rendimento final é
variável. É aqui que o etanol brasileiro vence de goleada seu similar oriundo
do milho. Na média, um hectare plantado com cana gera 7.200 litros de etanol;
com milho, a mesma área produz 3.100 litros. Essa maior produtividade
energética se reflete nos custos e na contabilidade ambiental. Em 2009 a
Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos divulgou parecer comprovando
que o uso do etanol de cana como substituto da gasolina permitiria uma redução
de 44% nas emissões de gases-estufa. Com o milho, cairia para apenas 16%. Tudo
conspirou a favor do Brasil.
Mas saiu errado. Após um período de forte
expansão, com grandes investimentos, chegou a pasmaceira, seguida da
quebradeira. Em vez do sucesso, seguiu-se o desânimo. Os carros flex passaram a
encher o tanque com gasolina. No interior do País, entre 385 unidades, 100 encontram-se
endividadas, praticamente paralisadas ou fecharam as portas. Dezenas de
projetos nem saíram do papel. Frustração total.
Lula, em nome do populismo, destruiu uma
das maiores invenções brasileira. As importações de etanol de milho do Brasil
configuram o maior fracasso mundial de uma política pública na área da energia
renovável. Dilma Rousseff, pregressa ministra de Energia, adota discursos
contemporizadores. Está, na verdade, num beco sem saída.
Xico Graziano é
agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado
de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário