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O historiador
Marco Antonio Villa, de 58 anos, é uma exceção na academia. Ao contrário
da maioria de seus pares nas ciências humanas, Villa é um crítico duro
das práticas do PT e dos governos petistas. Em seu novo livro,Década perdida – 10 anos de PT no poder(Editora
Record), ele resgata os principais acontecimentos do período e traça um
retrato impiedoso dos governos Lula e Dilma. Nesta entrevista a ÉPOCA,
Villa critica a gestão econômica do PT e analisa as prisões dos
mensaleiros. Ele também critica o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, por ter sido contra a abertura de um processo de impeachment
contra Lula, em 2005. “Essa é uma dívida histórica que ele tem com o
povo brasileiro”, afirma.
Em seu livro, o senhor chama os primeiros dez anos do PT no poder, entre 2003 e 2012, de “década perdida”. Por quê?Nesses
dez anos, o Brasil perdeu uma oportunidade histórica de dar um grande
salto. Não só em termos de crescimento econômico, que foi muito baixo
nos governos petistas, como também para enfrentar os graves problemas
sociais do país. Pela primeira vez na história, tivemos a chance de
combinar uma alta taxa de crescimento com um regime de liberdades
democráticas plenas. Até a explosão da crise financeira, no final de
2008, as condições externas eram muito favoráveis. A China crescia dois
dígitos por ano. Puxava o preço das commodities e gerava uma renda extra
ao país, um dos maiores exportadores mundiais de alimentos e minérios.
Em vez de aproveitar o momento, a partir da âncora criada nos anos 1990,
com a queda da inflação e a estabilidade fiscal e monetária, o governo
abriu o baú da história. Desenterrou velhas leituras econômicas, um
keynesianismo cheirando a naftalina, e ideias de presença do Estado na
economia cheias de teias de aranha, dos tempos do governo Geisel, nos
anos 1980, que tiveram um alto custo para o país. Provavelmente, os
primeiros três anos do governo Dilma estarão entre os piores da história
econômica brasileira, e a perspectiva de melhora no curto prazo é
baixa.
Nos
dez anos do PT no poder, a renda da população subiu, o emprego
aumentou, a classe média se tornou maioria, e a economia teve grandes
picos de crescimento no governo Lula. Faz sentido falar em década
perdida?Os êxitos do PT são bem menores do que se propala por
aí. Eles são repetidos de forma tão sistemática e tão eficaz, sem
nenhuma resistência da oposição, que acabam por adquirir um manto de
verdade. Em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, mas a partir de uma base muito
baixa. Em 2009, houve uma recessão. Nos outros anos, o crescimento foi
relativamente tímido. Em média, o Brasil cresceu menos que a América
Latina e os países emergentes nesse período. Os argumentos do governo,
de que a classe média se tornou maioria no país, são totalmente
falaciosos. Classe média não mora em favela nem ganha dois ou três
salários mínimos, ou até menos que isso por mês. Aconteceu é que o PT –
como se fosse o Ministério da Verdade do livro 1984, de George Orwell –
começou a criar novas categorias econômicas para dar êxito a um governo
que é um fracasso. Inventou uma nova classe C, que seria uma outra
classe média, diferente da classe média tradicional, e construiu a ideia
de que o Brasil é um país de classe média. Não é. É um país de
miseráveis.
O Bolsa Família não é uma saída para reduzir a miséria no país? Esse crédito não deveria ser dado ao governo petista? Ninguém
discorda de que precisa haver programas assistenciais, mas não só para a
população não morrer de fome. É preciso criar meios para enfrentar a
miséria e a pobreza. Não meios que as petrifiquem, como os programas do
PT. O governo gasta 0,5% do PIB com o Bolsa Família, mas não consegue
transformar a vida das pessoas. Enquanto isso, metade do país não tem
saneamento básico, a situação da infraestrutura é lamentável, e o
analfabetismo funcional e real não para de subir.
Como o senhor explica, então, os altos índices de popularidade de Dilma nas pesquisas?ÉPOCA
– No livro, o senhor dedica um bom espaço aos casos de corrupção, em
especial ao mensalão, e diz que PT não combateu a corrupção como
deveria. Só aconteceu coisa ruim nesses dez anos?Como
historiador, não tenho culpa de que o volume de casos de corrupção tenha
sido o maior da história republicana do Brasil. Nunca antes na história
deste país houve tanta corrupção quanto na década petista. Gostaria de
que não fosse assim, mas a sucessão de problemas nos ministérios, de
desvios de recursos, nos dois governos Lula e no governo Dilma, é um
recorde. A década petista é a década do discurso, a década da falácia.
Não há realização material. Que grande obra pública foi construída
nesses dez anos? Que usina hidrelétrica foi construída nesses dez anos?
Nenhuma. A transposição do São Francisco, um fracasso. Estradas,
fracasso. Ferrovias, fracasso. Portos, fracasso. Aeroportos, fracasso.
Há apenas a tentativa de construir alguns estádios de futebol, mas não
resolveremos problemas sociais com coliseus do século XXI. O PT é bom no
palanque, mas um péssimo gestor da economia.
Essas pesquisas
não servem para nada. Não permitem a compreensão da realidade, até pela
forma como as perguntas são feitas pelos institutos de pesquisa e
respondidas pelos entrevistados. As pesquisas dão apenas uma noção de
como as pessoas veem o debate político. Mesmo tendo uma parcela
considerável dos eleitores, o PT nunca venceu uma eleição presidencial
no primeiro turno. Em 2002, quando era oposição, ganhou no segundo
turno. Em 2006 e 2010, quando era governo, idem. Em 2010, até uma semana
antes do pleito, diziam que Dilma teria 54% dos votos no primeiro
turno. Teve 46%. Sempre há uma superavaliação da popularidade do
governo. Se os índices de popularidade fossem tão altos, o PT teria
ganhado as eleições no primeiro turno, especialmente em 2006 e em 2010.
Em 2010, apesar da derrota, a oposição recebeu 44% dos votos no segundo
turno.
Em sua opinião, o que levou o PT a ganhar três eleições seguidas?Com o Bolsa Família e o “Bolsa Empresário”, bancado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social),
o PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da pirâmide e o grande
capital. Levando em conta que o Bolsa Família tem 13,5 milhões de
famílias cadastradas, e cada família tem, no mínimo, três eleitores – o
pai, a mãe e um filho com mais de 16 anos –, só aí são 50 milhões de
pessoas, o equivalente a quase um terço do eleitorado. Ao mesmo tempo, o
governo se aliou a grandes proprietários de terra, construtoras e aos
setores mineral e industrial. O BNDES virou um instrumento de enorme
eficácia para fortalecer essa aliança entre o PT e o grande capital.
Essas alianças, no topo e na base da pirâmide, alcançaram tal solidez
que, hoje, é muito difícil rompê-las. A oposição não consegue entender
que essa estrutura precisa ser rompida, mas só pode ser rompida fazendo
política. A oposição não sabe fazer política. Quer chegar ao poder sem
fazer política. Não por acaso, foi derrotada nas eleições de 2002, 2006,
2010. Ao que tudo indica será derrotada em 2014 de novo.
A que o senhor atribui essa fragilidade da oposição?De
um lado, o PSDB, o principal partido de oposição, não é um partido de
fato. Está na oposição, mas não é oposição. É curioso. No populismo, o
símbolo maior da oposição era a UDN. Nos tempos mais recentes, o PT.
Qualquer oposição age diuturnamente criticando o governo e buscando uma
aproximação com a sociedade, pensando sempre na próxima eleição, como
fazia o PT no governo Fernando Henrique. O PSDB, não. A impressão é que o
PSDB se sente constrangido de ser oposição. Parece que executa essa
tarefa com desagrado. A oposição tem de ser agressiva. Quando o governo
apresentar seus projetos, a oposição tem de se levantar, falar que tudo
aquilo está errado, como a gente vê na Inglaterra, na França, em
Portugal, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos.
No
livro, o senhor diz que o ex-presidente Fernando Henrique cometeu um
erro grave, ao ser contra o impeachment de Lula em 2005, para investigar
sua participação no mensalão. Por quê?Para mim, Lula é o réu
oculto do mensalão. Ele tinha ciência de tudo aquilo, chegou a ter até
dois encontros com Marcos Valério. Pode não ter participado da
organização do esquema, mas era o principal favorecido. Na estrutura do
PT, o chefe da quadrilha, José Dirceu, não faria aquilo sem a
concordância de Lula. Agora, o que fez Fernando Henrique? Saiu dizendo
que um processo de impeachment de Lula criaria uma crise institucional,
afetaria a economia, o crescimento do país. Essa é uma dívida histórica
que ele tem com o povo brasileiro. No momento em que o PT estava nas
cordas, em vez de levá-lo a nocaute, como o PT faria se estivesse do
outro lado, o que o PSDB fez, por meio de seu principal líder, foi
deixar Lula sangrando nas cordas, acreditando que o nocautearia
facilmente nas eleições de 2006. A oposição teve medo, e esse medo é que
deu combustível para que o PT virasse o jogo, estabelecesse uma aliança
sólida com o PMDB e partidos satélites e criasse o novo Lula, no último
ano do primeiro governo. Esse novo Lula é produto de uma leitura de
conjuntura equivocada e danosa para o futuro do país. E essa leitura foi
feita por Fernando Henrique e pelo PSDB.
Fonte : Folha Politica.org
Fonte : Folha Politica.org
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