Fonte : Revellati online
A
internet se transformou no maior instrumento de vigilância já criado e a
liberdade que ela representa está ameaçada. A avaliação é de Julian Assange, criador do WikiLeaks,
que há sete meses vive na Embaixada do Equador em Londres - Quito lhe
concedeu asilo, mas os britânicos não lhe deram salvo-conduto para que
vá ao aeroporto e deixe o país.
Assange
seria extraditado para a Suécia, onde é acusado de crimes sexuais. O
australiano recebeu a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo,
03-02-2013, para falar sobre seu livro Cypherpunks, Liberdade e o Futuro
da Internet, que está sendo lançado no Brasil pela Boitempo Editorial.
Eis a entrevista.
A web está numa encruzilhada?
Tecnologia
produz poder, a ponto de a história da civilização humana ser a
história do desenvolvimento de diferentes armas de diferentes tipos. Por
exemplo, quando rifles eram as armas dominantes ou navios de guerra ou
bombas atômicas.
Desde
1945, a relação entre as superpotências era definida por quem tinha
acesso a armas atômicas. Hoje, a internet redefiniu as relações de força
antes definidas pelas armas. Todas as sociedades que têm qualquer
desenvolvimento tecnológico, que são as sociedades influentes, se
fundiram com a internet. Portanto, não há uma separação entre sociedade,
indivíduos, Estados e internet.
A
internet é hoje o alicerce da sociedade e conecta os Estados além das
fronteiras. Conhecimento é poder. Outras coisas também são poder, mas
ela deu muito poder a pessoas que antes não tinham. Agindo contra essa
força está a vigilância em massa criada por parte do Estado.
De que forma ocorre essa vigilância?
A
comunicação entre indivíduos ocorre pela internet. Sistemas de telefone
estão na internet, bancos e transações usam a internet. Colocamos
nossos pensamentos mais íntimos na internet, detalhes, como o diálogos
entre marido e mulher e até nossa posição geográfica. Enfim, tudo é
exposto na internet.
Isso
significa que grupos envolvidos na vigilância em massa realizam uma
apropriação enorme de conhecimento. Esse é o maior roubo da história. A
tecnologia está sendo desenvolvida para essa vigilância em massa e
vendida por empresas de países como a França, que vendeu um sistema de
vigilância para o regime de Muamar Kadafi.
Na
África do Sul, há um sistema desenhado para gravar de forma permanente
todas as ligações que entram e saem do país e as estocam por apenas US$
10 milhões ao ano. Está ficando barato. A população mundial dobra a cada
20 anos. O custo de vigilância está caindo pela metade a cada 18 meses.
Muitos acreditam que a Primavera Árabe só ocorreu graças à internet. O que o sr. acha?
Há
uma série de histórias de um longo trabalho de ativistas, sindicatos e
até clubes de futebol que tiveram um papel importante na Tunísia e no
Egito, os Ultras. O ativismo pan-arábico é algo novo e potencializado
pela web. Diferentes ativistas em diferentes países se conectaram pela
web, trocando dados, identificando quem era bom e quem era mau. O
movimento dos Ultras veio da Itália para clubes da Tunísia e Egito pela
internet.
O
WikiLeaks jogou muita informação que foi atacada pelos regimes na
Tunísia e no Egito. Mas houve também informações disseminadas por esses
países e, mais importante ainda, disseminadas para fora desses países, a
tal ponto que ficou difícil para EUA e Europa defenderem seus aliados.
O sr. aponta para o poder de Facebook e Google. Como esses sites são usados contra civis?
O
Google sabe o que você estava pensando. E sabe o que você pensou no
passado, porque quando você quer saber algum detalhe, busca no Google.
Sites que têm Google Adds, ou seja, todos os sites, registram sua
visita. O Google sabe todos os sites que você visitou, tudo o que você
buscou. Ele te conhece melhor que você.
Você
sabe o que você buscou há dois dias? Não. Mas o Google sabe. Alguém
pode dizer: o Google só quer vender publicidade. Mas, na realidade,
todas as agências de inteligência dos EUA têm acesso ao material do
Google. Eles acessaram isso em nosso caso.
Como fizeram isso?
Usaram
cartas da agência de segurança nacional e mandados para buscar os dados
de e-mail das pessoas envolvidas em nossa organização. Isso saiu do
Google, da conta do Twitter, onde pessoas entraram para acompanhar nossa
conta. No caso do Facebook, é algo impressionante. As pessoas estão
fazendo bilhões de horas de trabalho gratuito para a CIA.
Colocando
na rede seus amigos, suas relações com eles, seus parentes, relatando o
que estão fazendo, dizendo que viram aquela pessoa naquela festa, outra
naquela loja. É um incrível instrumento de controle. Países como a
Islândia têm uma penetração no Facebook de 88%. Mesmo que você não
esteja no Facebook, seu irmão está e está relatando sobre você.
Como o sr. explica o fato de pessoas de diferentes culturas e religiões estarem dispostas a revelar suas vidas na web?
Você
pode dizer: bom, estou fazendo isso de forma voluntária e é mais
importante estabelecer conexões sociais do que se preocupar com o
aparato de um Estado totalitário. Mas isso não é verdade. Pessoas querem
compartilhar algo com meus amigos e amigos de meus amigos, mas não com
meus amigos e com a CIA. As pessoas estão sendo enganadas.
Mas a censura na China, no Irã e em Cuba não mostra que a web é mais ameaçadora para esses regimes que para os civis?
Pessoas
censuram por um motivo. Porque têm medo ou querem ter mais poder.
Normalmente, eles querem manter o poder. O Irã censura porque teme que
iranianos sejam influenciados por material de fora do país. E quem
publica isso? Bom, alguns são dissidentes genuínos, mas também há
empresas de fachada, criadas por israelenses e americanos.
Denunciamos
essas empresas no WikiLeaks. Mas acho que é saudável que governos
tenham medo das pessoas. É ótimo que a China esteja com medo do que sua
população pense. A China baniu o WikiLeaks em 2007. Pelo que sabemos,
foi o primeiro país a bani-lo. Temos travado uma guerra para superar o
firewall chinês.
Qual sua avaliação sobre o argumento de que os documentos divulgados pelo WikiLeaks foram obtidos de forma ilegal?
Generais não definem a lei. Ou ao menos não deveriam. Se falamos da situação americana, foi perfeitamente legal.
A obtenção dos documentos?
Sim,
a forma com que foram obtidos. Militares americanos não têm direito de
acobertar crimes. Não podem usar a confidencialidade de documentos para
manter um crime sigiloso. Às vezes, a polícia tem de manter algo
secreto. Uma investigação sobre a máfia deve ser mantida em sigilo.
Outras organizações, como editores e jornais, têm a responsabilidade
perante o público de publicar informação que o ajude a entender o mundo.
Como vê o comportamento dos governos latino-americanos diante da internet e da imprensa?
É bem variado e há vários problemas. Comparado com o restante do mundo, a região está bem.
O presidente (do Equador) Rafael Correa ataca muito a imprensa. O que o sr. acha disso?
Deveria
atacar mais. A primeira responsabilidade da imprensa é a precisão e a
verdade. O grande problema na América Latina é a concentração na mídia.
Há seis famílias que controlam 70% da imprensa no Brasil, mas o problema
é muito pior em vários países. Na Suécia, 60% da imprensa é controlada
por uma editora. Na Austrália, 60% da imprensa escrita é controlada por
(Rupert) Murdoch. Portanto, quando falamos em liberdade de expressão,
temos de incluir a liberdade de distribuição, uma das coisas mais
importantes que a internet nos deu.
O sr. é herói ou criminoso?
Sou
apenas um cara. Todos vivemos só uma vez. Todos temos responsabilidade
de viver de acordo com nossos princípios. Tento fazer isso. Não preciso
me definir. Na verdade, quando as pessoas se definem, na maioria das
vezes, estão mentindo.
Por que o sr. não volta à Suécia (onde é acusado de crime sexual)?
Seria
extraditado para os EUA. Os EUA têm processo contra mim e o WikiLeaks. O
governo diz em seus documentos internos que a investigação é de tamanho
e natureza sem precedentes. É algo sério que envolve mais de uma dúzia
de agências.
O sr. disse que publicará cerca de um milhão de documentos em 2013. Algo sobre o Brasil?
Sim. Publicaremos muito sobre o Brasil neste ano.
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