Escrito por Orlando Braga
| 03 Outubro 2012
Artigos -
Cultura
“Um
destes últimos dias – o que, de resto, faço em quase todas as semanas
do ano – fui ao supermercado. Que tenha reparado, na ocasião, cruzei-me
sucessivamente com três moçoilas, todas elas tatuadas: uma, tinha o
desenho de um golfinho no pescoço; outra, de um conjunto de estrelas
também no pescoço; outro ainda, por sinal trajada de forma bastante
imodesta, de mais um conjunto de estrelas, desta vez abaixo do seu ombro
esquerdo, e do que me pareceu ser um sol no respectivo tornozelo
direito. Pelo meio, ainda topei um “orc” com um caracter chinês grafado
na zona da nuca. Pensei para comigo: isto
são pequenos sinais evidentes de uma sociedade em avançado estado de
decomposição e em processo de acelerado retorno à barbárie.” (via A Casa de Sarto: Pequenos sinais evidentes).
A
tatuagem moderna tem pouco a ver com as culturas dos povos primitivos;
trata-se de um fenômeno cultural novo e muitíssimo mais nocivo do que as
tatuagens das culturas arcaicas. Enquanto que, nas sociedades
primitivas, a tatuagem tinha um valor de ordem, na sociedade atual tem
um valor de desordem.
No
homem das culturas primitivas — vulgo “bárbaro” — a tatuagem tinha um
sentido religioso e comunitário. Podemos discutir se a religião dele era
positiva e evoluída, ou não. Mas a verdade é que a tatuagem
desempenhava uma função religiosa que ligava o indivíduo à comunidade.
Ora,
o que acontece com a função cultural atual da tatuagem é exatamente o
contrário da do homem primitivo: é a manifestação de uma
anti-religiosidade básica e primária mediante a adoração do feio e da
desfiguração do corpo, por um lado, e, por outro lado, é o divórcio do
indivíduo em relação à comunidade, por intermédio de uma afirmação radical da identidade individual e da supremacia absoluta do valor da denominada “autonomia do indivíduo”.
A
tatuagem revela também o masoquismo prevalecente em uma certa subcultura
atual e o mimetismo preconizado por Georg Simmel mediante o conceito de
efeito “trickle-down”.
Um certo masoquismo e sadomasoquismo que prevalece em uma certa elite
cultural tatuada — por exemplo, as estrelas POP e de cinema imiscuídas
na cultura gayzista que é sadomasoquista por sua própria natureza, e na ideologia de neutralidade de gênero
que nega a realidade objetiva da Natureza —, e esses valores negativos
são transmitidos por mimetismo cultural através dos “me®dia” à sociedade
em geral.
A assunção da tatuagem, à semelhança por exemplo do “coming-out” gay, é uma espécie de “coming-out”
anti-social e, por isso, anti-religioso. Não é possível separar o
fenômeno da tatuagem atual, por um lado, dos valores estéticos negativos
da moda controlada por criadores homossexuais,
a partir da década de 1970, que criaram o modelo da mulher anoréxica
que revela a imagem do prazer do pederasta, por outro lado.
Um
fenômeno idêntico aconteceu com o consumo de drogas: começou por ser um
fenômeno cultural de uma certa elite, passou à sociedade em geral e às
classes mais baixas através da moda e mediante o efeito trickle-down, e hoje é já uma cultura rejeitada tanto pelas elites como pela sociedade.
O significado (o valor do símbolo) não é o mesmo do do homem primitivo. A tatuagem no homem primitivo era um símbolo, e não apenas um signo ou
sinal. O símbolo tem um conteúdo, em que é simbolizado o representado,
enquanto que os sinais são escolhidos arbitrariamente. O símbolo,
para além do significado cultural que o sinal também pode ter, tem um
significado espiritual (relativo à experiência humana subjetiva e que
adquire uma significação de experiência intersubjetiva e/ou coletiva, e
por isso, religiosa) que o sinal não tem. Um sinal só passa a ser um
símbolo quando passa a ter um conteúdo com relação a um representado, o
que lhe retira a arbitrariedade previamente existente. Um símbolo é
eminentemente intersubjetivo, e nunca se muda porque isso resultaria também na dissolução do seu significado intersubjetivo; um sinal pode ser mudado mantendo-se o seu significado anterior.
Portanto, enquanto que para o homem das culturas primitivas, a tatuagem era um símbolo (com respeito à religião e à sua ligação à comunidade), para o homem contemporâneo a tatuagem é apenas um signo ou sinal desprovido de qualquer religiosidade e de qualquer ligação intrínseca à comunidade.
A
tatuagem pretende ser também a negação da uniformidade pós-modernista e a
luta contra a homogeneização cultural, mas acaba por redundar numa
uniformização e homogeneização formal da cultura, ou seja, mudam os
conteúdos mas mantém-se uma forma cultural homogeneizada.
O
valor da tatuagem, em relação à sociedade e ao contrário do que
acontecia nas sociedades primitivas, é hoje um fenômeno cultural
negativo porque se trata de uma auto-mutilação com um conteúdo e valor
estritamente individual — na maior parte dos casos inestética, anética e
por isso anti-religiosa —, desprovido de simbolismo intersubjetivo
social e comunitário. Revela o fenômeno cultural atual da atomização da sociedade e do isolamento do indivíduo face ao Estado, que anuncia um novo tipo de totalitarismo que ameaça.
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