Obcecada por lucros e bolsa de Nova York, empresa de saneamento abandonou investimento em mananciais, até deixar população à míngua
Por Lúcia Rodrigues, no Viomundo
A
falta de água em São Paulo não pode ser atribuída à ausência de chuvas
no último período. A principal causa para o esvaziamento do sistema
Cantareira, maior reservatório da região metropolitana, se deve à falta
de investimentos do governo do Estado na ampliação de novos mananciais.
Essa é a conclusão do professor aposentado da Escola Politécnica da USP e engenheiro de hidráulica e saneamento Julio Cerqueira Cesar, um dos maiores especialistas na área.
Ele
explica que estiagens são comuns em outros países e nem por isso a
população fica sem água potável nas torneiras. “O que está acontecendo
em São Paulo, acontece em qualquer lugar do mundo. Faz parte do ciclo
hidrológico. A chuva não é a culpada. O problema é que o sistema de
abastecimento de água tem de ter a capacidade de suprir essa variação na
precipitação, e isso não ocorreu aqui”, enfatiza.
“O
governo não investiu na ampliação de mananciais, são os mesmos de 30
anos atrás. Nesse período, a população cresceu em 10 milhões de pessoas
(saltou de 12 milhões para 22 milhões). Os mananciais existentes não são
capazes de atender a essa demanda. Essa é a grande causa da falta de
água em São Paulo”, ressalta.
A falta de
investimento na ampliação de novos mananciais tem explicação. Segundo o
professor Julio, até o início da década de 1990, o objetivo da companhia
era atender a população com saneamento básico, para manter a saúde
pública em níveis adequados. “Até 90, a companhia era comandada por
engenheiros sanitaristas, depois disso a Sabesp aderiu ao lucro de corpo
e alma. Deixou de se preocupar com seus usuários e passou a se
preocupar com seus acionistas. Hoje quem comanda a Sabesp são
economistas e advogados. O objetivo da empresa mudou. É para dar lucro
para os acionistas.”
Para o geólogo e deputado
estadual Adriano Diogo (PT-SP), líder da minoria (PT – PSOL – PCdoB) na
Assembleia Legislativa de São Paulo, a lógica do lucro na Sabesp é
anterior à década de 90, e remonta à época da ditadura militar. “Vem
desde o Maluf, mas os tucanos intensificaram a mercantilização da água
ao abrir o capital da Sabesp em Bolsa. Isso agudizou o problema, porque
os acionistas não querem abrir mão do lucro para se fazer os
investimentos necessários, por exemplo, na ampliação dos mananciais.”
Apesar
de não ter sido privatizada nos moldes tradicionais, na prática a
Sabesp deixou de ser pública. Em 2000, a companhia teve inclusive seu
capital acionário aberto na Bolsa de Nova York. “Com a abertura do
capital, a companhia deixou de ser uma empresa de saúde pública e virou
um balcão de negócios. Só se preocupa com o lucro dos acionistas, que
estão muito satisfeitos”, afirma o professor Julio.
Com
faturamento anual na casa dos R$ 10 bilhões e lucro líquido em torno de
R$ 2 bilhões, a Sabesp tem repassado anualmente a seus acionistas
aproximadamente R$ 500 milhões. “Os acionistas estão dando risada,
enquanto os usuários choram”, ironiza o professor, ao se referir à falta
de água que atinge os moradores da região metropolitana de São Paulo.
O
professor conta que dez anos após o capital da companhia ter sido
aberto na Bolsa de Nova York, a Sabesp foi premiada nos Estados Unidos
por ser a empresa que mais se valorizou no período. “Sucesso financeiro e
fracasso completo em saúde pública…”, sentencia.
Lucro X Investimento
Para
ele, a abertura das ações na Bolsa de Nova York é um dos principais
motivos da falta de investimento na ampliação dos mananciais para o
abastecimento de água da população de São Paulo. “Não investe porque só
quer ter lucro para repassar aos acionistas. Estar na Bolsa de Nova York
é sintomático. A Sabesp entrou na lógica do lucro, deixou de se
preocupar com água e saneamento básico, para se preocupar com seus
acionistas.”
O deputado petista destaca que o
comportamento da Sabesp é diametralmente oposto ao da Petrobras, que
também tem ações em Bolsa, mas não abriu mão de investir. “A Petrobras
não deixou de fazer os investimentos necessários, tanto é que descobriu o
pré-sal”, alfineta. Adriano Diogo também é critico em relação ao valor
da tarifa cobrada dos usuários pela Sabesp. “É uma das contas de água
mais caras do mundo. Isso é para dar lucro para os acionistas.”
Para
o ex-governador do Paraná, senador Roberto Requião (PMDB-PR), “o
aumento da tarifa e a fantástica distribuição dos lucros nas bolsas”
são consequências da privatização do interesse público. “O objetivo não
é mais o saneamento básico e a purificação da água, mas dar lucro aos
acionistas. Transformaram a água numa commodity [mercadoria]”, critica.
Requião
afirma que o resultado de uma empresa de água deve ser medido pelo
serviço que presta à população e não pelo lucro que gera a seus
acionistas. Ele teme que seus adversários também abram o capital
acionário da Sanepar, a companhia de água e saneamento do Paraná, em
Bolsa. Parte dela já havia sido vendida por seu antecessor.
“Empresa
de água tem de ser pública. Quando saí do governo, deixei em caixa na
Sanepar R$ 1 bilhão. O Beto Richa (atual governador do Estado) chegou e
aumentou a participação (dos acionistas) de 25% para 50% e passou a não
fazer mais investimentos. O Estado não tem de tirar dinheiro da empresa,
tem de reinvestir.”
O governador Beto Richa, do Paraná, é do mesmo partido de Geraldo Alckmin, seu colega paulista: PSDB.
Medo da eleição
Mas
a falta de investimentos em novos mananciais devido à preponderância na
valorização dos interesses dos acionistas em detrimento do bem-estar da
população está se tornando o grande pesadelo do governador paulista,
Geraldo Alckmin (PSDB).
A falta de água
representa um risco real à sua reeleição. “O governador não assume o
racionamento porque quer ser reeleito e acha que se fizer, não será.
Está empurrando a crise da água em São Paulo, com a barriga,
politicamente… É impressionante a desproporção entre o tamanho do
problema e a pequenez das soluções adotadas pelo governo”, critica o
professor.
Além da crise que atinge os moradores da região metropolitana neste momento,
três milhões de pessoas já sofriam com a falta de água antes desse
problema. “A Sabesp faz ligação de rede pra todo mundo, porque assim
cobra a tarifa, só que depois não leva a água até a casa das pessoas.
Diz que o cano furou… Infelizmente são os pobres que pagam…”
Ele
revela que há um déficit de 13 metros cúbicos de água por segundo entre
o que é oferecido pela Sabesp e o que é demandado pela população. Os
reservatórios fornecem em torno de 72 metros cúbicos por segundo, quando
deveriam liberar 85.
A situação é gravíssima. Um
técnico da companhia que não quer se identificar com medo de
represálias, porque a Sabesp persegue quem aponta seus erros, reforça a
preocupação do professor. “Este ano há o risco de um colapso.”
“A
Cantareira seca no próximo mês”, frisa Julio. “E o Alto Tietê deve
secar até no máximo novembro, se as coisas continuarem do jeito que
estão”, completa o funcionário.
Desperdício
Um
dos problemas levantados pelo técnico para o agravamento da crise é o
desperdício de água pela própria Sabesp, que hoje ultrapassa os 30% do
volume produzido, segundo dados da Agência Reguladora de Saneamento e
Energia de São Paulo (Arsesp). Esse percentual de desperdício é
suficiente para abastecer uma cidade como Campinas.
Os
vazamentos em grande medida são fruto da política adotada pela
companhia, que optou por terceirizar parte de seus serviços. “Isso tem
reflexo na qualidade do serviço prestado. Não dá pra comparar o trabalho
de um funcionário da Sabesp com o de uma (empresa) terceirizada. Quem é
terceirizado não recebe a mesma formação que nós, a rotatividade dessas
empresas é muito grande. Por isso, não é raro que logo depois de se
instalar uma rede, ela esteja vazando”, explica.
Ele
revela como essa política também pode aumentar drasticamente o valor da
conta de água. “Quando falta água, entra ar nos canos e o hidrômetro
começa a girar que nem louco. Isso faz com que a conta de água aumente
muito, sem a pessoa saber o porquê. Se são técnicos da Sabesp, fazem
ventosas no sistema para retirar esse ar, mas os terceirizados não fazem
isso…”, lamenta.
Racionamento vai perdurar
Para
o professor Julio, a população vai pagar pelo erro do governo do Estado
de São Paulo. Ele considera inevitável o racionamento no curto e médio
prazo. O próximo ano deve ser ainda mais difícil. Ele prevê que o
racionamento dure em torno de dois anos.
“Se
(Alckmin) quisesse resolver tecnicamente o problema, já deveria ter
começado o racionamento em dezembro do ano passado e tomado uma série de
providências, mas não fez isso. O governador quer empurrar o problema
para depois das eleições.”
“A boa notícia é que
temos água em condição de ser trazida para as cidades, o problema é que
essas obras demoram muito para serem concluídas.”
O
professor se refere à bacia hidrográfica localizada no Vale do Ribeira.
“Lá há pouca gente e uma quantidade enorme de água. Não vai afetar em
nada a vida dos moradores.”
FONTE : www.verdademundial.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário