Criada em fevereiro de 2003, a Rede 13 deveria agir como um braço do extinto programa Fome Zero, do governo federal, em Santa Catarina. A missão da ONG coordenada por Lurian Cordeiro, filha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, era arrecadar comida para alimentar a população carente.
O trabalho, no entanto, durou pouco: sem muito alarde, a Rede 13 fechou as portas apenas seis meses depois de sair do papel.
Passados três anos, reportagens do Jornal do Brasil trouxeram à tona a breve -- porém conturbada -- história da ONG de Lurian. Elas revelam que, no curto espaço de tempo entre a criação e a extinção, a Rede 13 teria acumulado prejuízos de 70 000 reais, acusam a organização de funcionar como um poder paralelo no estado e mostram a participação ativa no caso de um amigo íntimo de longa data de Lula, Jorge Lorenzetti, churrasqueiro oficial da República e um dos articuladores do escândalo recente da venda e da divulgação de um dossiê para tentar incriminar políticos tucanos.
As digitais da participação de Lorenzetti no caso da ONG Rede 13 foram detectadas quando o Jornal do Brasil teve acesso a documentos guardados pela CPI dos Bingos, que chegou ao fim em junho passado, depois de um ano de investigações sobre a corrupção no governo Lula. Segundo os tais documentos, Lorenzetti recebeu a missão de liquidar as dívidas de Lurian -- cujos papagaios incluiriam cabeleireiros, lojas de roupas, festas e até taxas de condomínio -- pouco antes de encerrar, na surdina, as atividades da ONG tocada por ela. A CPI não conseguiu esclarecer como Lorenzetti, que foi responsável por levantar recursos para a Rede 13, pagou as dívidas da filha de Lula. Uma CPI prometida para depois do segundo turno das eleições pretende rastrear a origem e o destino do dinheiro das contas da Rede 13. O objetivo é saber se a ONG recebeu doações generosas do governo Lula e se o dinheiro serviu para irrigar contas de petistas.
As suspeitas que pairam sobre a Rede 13 são um bom exemplo de como os esquemas de financiamento representam a grande caixa-preta de muitas ONGs. Diferentemente do que é cobrado das empresas, a maioria das entidades não presta contas ao doador nem à parcela da sociedade que diz representar. "Lamentavelmente, só algumas poucas ONGs contam de onde vem o dinheiro para se manter", diz Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos. Essa prática perpetua a impressão de que a independência de algumas organizações é inversamente proporcional aos recursos que recebem de empresas e governos. Estudo realizado pela universidade americana Johns Hopkins em 22 países mostra que 40% do orçamento dessas entidades vem dos cofres públicos.
No Brasil, essa proporção é ainda maior: 50%, de acordo com um estudo feito entre as entidades ligadas à Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Ou seja, do ponto de vista de esquemas de financiamentos, as ONGs são tudo, menos organizações não-governamentais. A política que envolve os doadores de dinheiro e as implicações éticas dessa relação são temas que provocam muitas discussões entre as entidades. Para escapar dessa saia-justa e continuar atuando de forma independente, o Greenpeace, uma das maiores ONGs do mundo, só recebe dinheiro de pessoas físicas. Dos 216 milhões de dólares que angariou no ano passado, 95% vieram da rede formada por 3 milhões de pessoas simpáticas à ONG. Nem isso bastou para eliminar críticas quanto à forma de se financiar. "Batizei o Greenpeace de 'farsantes do oceano'", afirmou Paul Watson, um dos fundadores da entidade, a EXAME. "Eles são uma máquina de fazer dinheiro."
Zonas cinzentas |
O quadro mostra as diferenças de filosofia e de comportamento entre as principais ONGs ambientalistas |
Política de financiamento |
Algumas das grandes entidades recusam dinheiro de empresas privadas e de governos, caso do Greenpeace, por acreditar que isso compromete a isenção de seu trabalho. Outras, como a TNC, também dos Estados Unidos, aceitam verbas de empresas, pois defendem que é o caminho mais curto para obter os melhores resultados |
Estilo de atuação |
Entidades como a WWF procuram conversar com políticos e empresários para negociar soluções sem fazer muito estardalhaço. Outras, como o Greenpeace, preferem investir em ações espalhafatosas. Há um grupo ainda mais radical, capitaneado pela Sea Shepherd, que afunda navios baleeiros e comete outras violências contra aqueles que considera inimigos do meio ambiente |
Preservação do meio ambiente |
O Greenpeace e outras ONGs mais radicais entendem que, numa situação ideal, patrimônios ambientais, como a Amazônia, deveriam ser inteiramente preservados neste momento, até que se recuperem das agressões sofridas nas últimas décadas. Outras entidades, como a TNC, admitem a exploração sustentável da floresta pelas empresas |
Não há, evidentemente, nada de ilegal no ato de receber doação de empresas. O problema é que, na maioria dos casos, os repasses não se tornam públicos -- e a sociedade fica sem ter como julgar se o discurso de determinada ONG pode ou não ser considerado isento. Em vez de publicar balanços e divulgar informações -- como fazem as grandes empresas ao redor do globo --, muitas organizações ainda preferem se esconder por trás da aura de bom mocismo que ronda as ONGs e que acaba funcionando como uma carta-branca para a atuação dessas entidades. "Embora muita gente não tenha percebido, as ONGs são instrumentos do poder econômico", resume Steve Hanke, professor de economia da universidade Johns Hopkins. A afirmação ilustra bem o que aconteceu recentemente com a entidade Fórum para o Futuro, da Inglaterra. Depois de receber doações da fabricante de produtos químicos ICI e da rede de supermercados Tesco, a Fórum para o Futuro publicou um artigo enaltecendo o "comprometimento com a busca do desenvolvimento sustentável" dessas empresas. Esqueceu-se de informar ao leitor desavisado que a ICI, por exemplo, figura na lista da Agência Ambiental da Inglaterra como uma grande poluidora.
Por parte das companhias, a lógica que as leva a colocar dinheiro nas ONGs tidas como independentes é simples. Ao investir em causas politicamente corretas, a empresa passa a ser vista com outros olhos pela sociedade -- o que pode resultar em mais lucros. Em muitos casos, nasce a partir daí uma relação cínica: muitas companhias fingem preocupar-se com a preservação do planeta, e as ONGs, por sua vez, calam-se diante de eventuais abusos protagonizados por seus patrocinadores. Para aprender a lidar melhor com a pressão das ONGs, muitas empresas têm recorrido a conselhos de especialistas em imagem (veja quadro na pág. 34). "Temas como responsabilidade social tornaram-se lorotas convenientes do mundo corporativo", afirma Ricardo Semler, presidente da Semco. Às vezes, as empresas nem tentam disfarçar que o financiamento de ONGs ocorre puramente por estratégia de marketing. Alguns anos atrás, explodiu nos Estados Unidos um escândalo envolvendo a Exxon Mobil, cujas vendas de produtos derivados de petróleo atingem 1 bilhão de dólares por dia. As petroquímicas, em especial a Exxon, são as maiores prejudicadas pela ação dos ativistas que pedem a redução da emissão dos gases por meio do Protocolo de Kyoto. Os diretores da empresa americana passaram, então, a liberar recursos e a criar ONGs. Formou-se uma rede de pessoas, organizações e cientistas que, movidos por petrodólares, afirmam que o aquecimento global não é um problema tão grave.
O financiamento das ONGs é uma área tão sombria que gera situações sui generis. Para bater o martelo na compra da fabricante de sorvetes Ben & Jerry's por 326 milhões de dólares, em 2000, a Unilever prometeu injetar 5 milhões de dólares por ano em uma fundação gerida pelos antigos donos da marca, Ben Cohen e Jerry Greenfield. Com os cofres cheios, os dois empresários passaram a financiar ONGs que, entre outras coisas, lutam para acabar com o Banco Mundial e com a Organização Mundial do Comércio (OMC). Vale a pena repetir o resumo dessa história surrealista: para fechar um negócio que lhe interessava, a Unilever financia hoje uma ONG que combate o capitalismo, o livre comércio e as multinacionais, como a própria Unilever.
Para as empresas, o maior problema é quando as ONGs erram o alvo -- e isso tem ocorrido com freqüência. Campanhas desastradas podem resultar em prejuízos financeiros enormes, além de danos irreparáveis em sua imagem perante os consumidores. Um dos exemplos mais recentes disso foi o boicote sofrido por Coca-Cola e Pepsi na Índia, depois que se divulgou a denúncia de que as duas empresas estavam distribuindo no país refrigerantes contaminados por pesticidas. A acusação era baseada num estudo realizado pela ONG indiana Centro para Ciência e Desenvolvimento. Depois de muita discussão, descobriu-se que a tal pesquisa sobre os pesticidas não era sólida. O estrago, no entanto, já estava feito e, hoje, a Coca-Cola e a Pepsico processam um dos estados indianos que proibiram a venda do produto após a campanha da ONG.
Há dez anos, o Greenpeace protagonizou uma grande barbeiragem ao afirmar que a subsidiária britânica da Shell estava prestes a provocar um desastre ecológico ao afundar no oceano Atlântico uma plataforma inativa, a Brent Spar. Para provar isso, publicou um estudo que afirmava que ela ainda continha 5 000 toneladas de óleo, o que poderia provocar uma contaminação gigantesca, e fez campanhas de boicote à petroquímica. Sob pressão, a Shell, que sempre contestou os números, mudou os planos e desmontou a plataforma em um estaleiro. Os prejuízos da empresa anglo-holandesa chegaram a 185 milhões de dólares em queda de receita e do valor das ações na bolsa. Um ano depois, uma investigação paralela provou que o Greenpeace forjou os números do relatório. Os ativistas pediram desculpas publicamente -- mas não mudaram uma vírgula em sua forma de atuação. O Greenpeace é tido como radical entre as ONGs por seguir a linha da "política do estardalhaço", em que o mais importante é chamar a atenção da opinião pública.
Regulamentação rigorosa é a resposta para os escândalos que envolvem algumas ONGs. No momento, passos importantes estão sendo dados nessa direção. Um deles partiu das próprias entidades. As 11 maiores organizações -- entre elas o Greenpeace, a Anistia Internacional e a Oxfam -- assinaram em junho um código de conduta. O documento reafirma que a transparência e a prestação de contas são essenciais para a boa governança, seja ela dos governos, das empresas ou de ONGs. No Brasil, repasses suspeitos de recursos públicos podem resultar em uma nova CPI, por iniciativa do senador Heráclito Fortes (PFL-PI). "Já começamos a recolher assinaturas e é possível que o processo seja aberto ainda em 2006", afirma ele. Além das dívidas e da contabilidade da Rede 13, de Lurian Cordeiro, os parlamentares querem investigar o destino de 18,5 milhões de reais entregues pelo governo federal à Unitrabalho, organização de apoio e extensão universitária que também tinha como representante Jorge Lorenzetti (sim, mais um rolo em que o churrasqueiro da República está envolvido). Tão importante quanto a investigação é a aprovação de uma lei que force as ONGs brasileiras a ser mais transparentes. Já existe na Câmara dos Deputados um projeto nesse sentido. Ele prevê que as organizações abram suas contas no Ministério da Justiça. A iniciativa está engavetada há quatro anos, e um dos motivos para a história não ir à frente é o lobby exercido por algumas entidades do Terceiro Setor que fazem forte oposição à idéia. É uma pena, pois se trata de uma chance de diferenciar as ONGs sérias daquelas que estão mais interessadas em seu próprio bolso do que no meio ambiente, na saúde das crianças, nos direitos humanos ou na educação.
Gerenciamento de crise |
Um roteiro sugerido por consultores especializados da empresa americana J. Ottman e da brasileira Diferencial para o que os administradores devem fazer quando uma empresa entra na mira das ONGs |
Converse |
Convide a ONG para uma conversa e tente estabelecer um diálogo franco para mostrar o posicionamento da empresa em relação ao que foi criticado e saber o que realmente os incomoda |
Investigue o caso |
A empresa atingida deve checar cuidadosamente se a acusação é procedente e se houve mesmo alguma falha em seu comportamento |
Se estiver errado, assuma |
Tenha uma postura ética e clara para confirmar seu erro perante a sociedade. E, quando necessária, a mudança precisa ser feita rapidamente |
Use as mesmas armas das ONGs |
Se a crítica não proceder, invista em marketing e em comunicação para mostrar à opinião pública que a companhia foi vítima de uma injustiça |
Fontes: Jacquelyn Ottman, da J.Ot tman, e Mônica Medina,da Diferencial Assessoria de Marketing |
Vergonha!!!
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