Contra fatos, não há argumentos...
Um dos piores erros já cometido pela KGB, a agência de segurança Soviética, foi punir um de seus agentes, Vasili Mitrokhin, por uma observação crítica sobre o regime em 1972, rebaixando-o para arquivista. Nessa posição, Mitrokhin copiou grande número de documentos e os escondeu em sua casa de campo. Como a União Soviética estava desmoronando, ele ofereceu o esconderijo para os britânicos em troca de resgate e asilo para sua família, os quais obteve.
Em cooperação com Christopher Andrew, um proeminente historiador da inteligência da Grã-Bretanha, Mitrokhin escreveu “The Sword and the Shield” (a espada e o escudo), a história da espionagem soviética contra o Ocidente. É talvez o melhor livro de todos os tempos sobre o assunto. Para encerrar, o livro descreve a sequela esperada, em que o autor lida com a KGB e o Oriente Médio, e não decepciona. O livro oferece dramáticos novos detalhes, com o tipo de dado que às vezes muda a nossa visão da história de cada parte do mundo, mostrando como a influência e espionagem soviética foi penetrante durante a Guerra Fria.
Especialmente interessantes são as 120 páginas que tratam do Oriente Médio e as 34 páginas sobre o Afeganistão e o Islamismo na URSS. A URSS via o Oriente Médio como seu "quintal", e dedicou um grande esforço final para ganhar influência por lá. Basta lembrar que, há não muito tempo, Egito, Iraque, Síria e Iêmen do Sul estavam cheios de conselheiros, dinheiro e armas soviéticos.
A grande esperança Soviética no Oriente Médio era sua relação com o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Além dos soviéticos lerem os códigos egípcios, conseguiram quebrar a maioria dos senhas dos árabes, através de criptografia ou assaltos a suas embaixadas em Moscou, tarefa para a qual foram recrutados agentes-chaves, incluindo Sami Sharaf, assessor-chefe da inteligência de Nasser. Em 1958, durante a visita de Nasser a Moscou (onde o KGB, e não o ministério das Relações Exteriores soviético, o recepcionou), ele foi eficientemente lisonjeado. Durante uma apresentação do Lago dos Cisnes, por exemplo, o primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev disse a Nasser que o cisne negro representava o secretário de Estado John Foster Dulles.
Moscou apoiou o regime de Nasser de todas as formas. O agente soviético que posteriormente foi jornalista, Kim Philby, explicou a seus leitores britânicos que Nasser tinha transformado o Egito em uma "democracia socialista cooperativa". Os soviéticos, que erradamente avaliaram a força do exército egípcio, foram tomados de surpresa com a tão grande vitória de Israel, em 1967, que os expôs à raiva dos árabes pelo frustrado investimento nas armas de produção soviética, os obrigou a uma admiração relutante por Israel, e a uma revisão total em sua inteligência para a região.
Logo após a guerra, Nasser diminuiu sensivelmente as concessões aos soviéticos, e seu sucessor, Anwar Sadat, logo se voltou para os Estados Unidos. Embora os soviéticos tenham efetivamente espionado suas comunicações secretas com os norte-americanos, o que convenceu os egípcios a não apoiarem ativamente Moscou foi a possibilidade deste tramar um golpe contra Sadat. Entretanto, a KGB limitou-se à falsificação de documentos para persuadir Sadat de que os americanos o estavam enganando, e retratando o líder do Egito, nos meios de comunicação árabes não egípcios, como o joguete dos banqueiros judeus, um agente da CIA, um desviante sexual, um viciado em drogas, e um doente mental. Sadat ficou tão furioso que alguns funcionários da KGB sugeriram seu assassinato. Moscou nunca esteve diretamente envolvido em tal esforço, mas sabia que seus contatos da inteligência síria e da Organização pela Libertação da Palestina o estavam planejando, como realmente executaram em 1981.
No Irã, os soviéticos, com pouca influência depois do golpe pró-xá de 1953, desviaram o foco em minar as relações EUA-Irã. As falsificações de documentos, fingindo que os EUA estavam ridicularizando ou planejando derrubar o xá, chegaram às vezes até a enganar o monarca iraniano. Planos elaborados foram feitos para sabotagem dentro do Irã, mas a deserção de um oficial chave da KGB envolvido nestes esquemas assegurou o seu cancelamento. Os soviéticos esperavam que a revolução iraniana iria imprimir uma direção de esquerda ao governo, mas avaliaram erradamente, pois o xá demonstrou ser forte demais para ser derrubado e, como outros, dissolveu qualquer possibilidade de uma revolução islâmica.
Embora os soviéticos não tivessem muitos recursos de inteligência investidos no Irã, eles insistiam nos esforços de desinformação por lá, alimentando-os com documentos forjados através de Yasser Arafat, sobre planos conjuntos dos americanos e israelenses para derrubar ou assassinar Khomeini. Em uma ocasião, um ministro iraniano anti-soviético das Relações Exteriores foi demitido juntamente com outros setenta, em grande parte como resultado da falsificação de golpes, cozinhados pelo KGB. Mas quando um oficial da inteligência soviética em Teerã desertou para o Ocidente, a CIA passou informações a Teerã, permitindo-lhe expulsar espiões soviéticos e prender 200 comunistas secretos sob a acusação de espionagem a favor de Moscou.
Especialmente interessante é a discussão das relações soviéticas com Saddam Hussein, cujo culto a Stalin era bem conhecido em Moscou. A KGB organizou viagens secretas especiais para Saddam, convidado para a casa do ditador soviético. Mas Saddam partilhava com Stalin uma desconfiança permanente de todos, incluindo dos soviéticos; ele também desconfiava dos comunistas iraquianos, muitos dos quais ele executou. Em 1982, no entanto, a guerra Irã-Iraque empurrou Saddam e os soviéticos a se unirem na tentativa de garantir que o Irã não vencesse. Os soviéticos forneceram mísseis Scud, que o Iraque disparou contraas cidades iranianas. Entretanto, Moscou ofereceu resistência à invasão do Kuwait por Saddam em 1990. Os especialistas militares soviéticos lhe mostraram fotos de satélite indicando com precisão como os Estados Unidos iriam atacá-lo no chão. Saddam viu o material como uma tentativa falsa de intimidá-lo e ignorou o aviso.
A ditadura árabe favorita do KGB foi a Síria, onde floresceu tanto a cooperação como a infiltração de agentes para postos-chaves. Ainda mais próximo ideologicamente, embora não culturalmente, foi o Iêmen do Sul: "Desejaríamos poder provar", disse o embaixador soviético a esse país, "que um pequeno e subdesenvolvido país árabe poderia avançar rapidamente em direção ao futuro brilhante se estivesse armado com os slogans do socialismo científico". Não colou.
Os soviéticos também estiveram profundamente envolvidos no apoio à Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e com o terrorismo, embora o medo da descoberta os fez delegar muitas dessas atividades para os estados europeus via satélites, ou através de regimes árabes. Uma das revelações mais importantes do livro é que Wadi Haddad, vice-líder da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), até sua morte natural em 1978 foi um agente soviético. A filosofia de Haddad foi resumida em sua declaração: "Matar um judeu fora do campo de batalha tem mais efeito do que matar centenas de judeus no campo de batalha." Os soviéticos também falsificaram a origem de todas as armas enviadas à FPLP, como fabricadas em outros países, para ocultar o seu fornecedor. Uma série de operações da FPLP, incluindo sequestros e assassinatos de cidadãos norte-americanos, bem como os ataques a Israel, foram especificamente e previamente aprovados pelos líderes soviéticos. A KGB recebia um aviso prévio de todos os principais ataques terroristas da FPLP.
Outra revelação de grande importância foi a identidade do agente mais importante da KGB na OLP, Hani al-Hasan, um confidente de Yasser Arafat durante quatro décadas e que, no momento da morte de Arafat em 2004, era seu conselheiro de segurança nacional. Seu nome de código era GIDAR. Moscou estava desconfiado de Arafat por várias razões, incluindo sua ideologia, sua propensão a mentir, e seus laços estreitos com a inteligência da Romênia (da qual a KGB desconfiava). Arafat se uniu com a KGB e foi impulsionado diplomaticamente pelos soviéticos, mas a baixa qualidade dos agentes iranianos apresentada pelos documentos internos da PLO - que acusava metade deles de alcoolismo, de passar dinheiro falso, e de cooperar com a inteligência através de perversões sexuais – provocou tal desilusão nos soviéticos em relação a Arafat, que o líder soviético Mikhail Gorbachev precisou perguntar a um assessor, em 1988: "Qual é o assunto da minha reunião com ele?"
“The World Was Going Our Way” (o mundo estava tomando nosso caminho) oferece um relato detalhado do grande esforço desenvolvido pela KGB para colocar agentes do bloco soviético em Israel, entre os emigrantes judeus, a partir do final de 1940. Após alguns sucessos iniciais, parece que o regime soviético estava tão repleto de antissemitismo (o que é repetidamente revelado nos relatórios internos) e da ideologia, que ele simplesmente nunca poderia entender o que Israel estava prestes a ralizar.
Em 1953, todos os judeus tinham sido expurgados da URSS, e quarenta anos depois, a proibição ainda valia. O Desprezo Soviético por Israel foi fundamental nas falhas de inteligência da KGB, como a previsão de que Israel nunca seria capaz de derrotar os exércitos árabes. Especialmente irônico é o fato de que muitos judeus que emigraram se comprometeram a atuar como agentes soviéticos, talvez para obter saída, e em seguida, nas palavras de um oficial do KGB: "esqueceram suas promessas assim que cruzaram a fronteira soviética".
A principal função das políticas da KGB era a sua obsessão com a "subversão sionista", tão extrema que os autores escrevem que "chegou perto, e às vezes sem dúvida cruzou, o limiar do delírio paranoico". A conferência da KGB de 1982 concluiu que todos os problemas do bloco soviético eram rastreáveis aos sionistas. Só se pode concluir que a campanha soviética global contra Israel, os judeus, e o sionismo tem uma notável semelhança com o pensamento e comportamento da polícia secreta czarista [não custa lembrar que foi essa polícia que alegou ter “encontrado” o documento forjado “Protocolos dos Sábios de Sião”, do qual até hoje não se comprovou a origem] ou até mesmo, às vezes, com os tipos de análises prevalentes em lugares como a Arábia Saudita e o Irã.
No final, é claro, os esforços soviéticos redundaram em fracasso. Ele apoiou o lado perdedor, não conseguiu convencer os ditadores regionais sobre a sua demanda, e enfrentou um ambiente hostil à sua ideologia. No entanto, os esforços da KGB conseguiram, de uma forma geral e não devidamente avaliada até hoje, que muitas de suas reivindicações falsificadas e argumentos contra os Estados Unidos e Israel se tornassem amplamente aceitos, não apenas no mundo árabe, mas até mesmo em muitos meios de comunicação ocidentais e círculos intelectuais. O poder das ideologias radicais, a suspeita generalizada do Ocidente, e o ódio geral à América e a Israel no Oriente Médio hoje, é a vingança póstuma da União Soviética.
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Barry Rubin é diretor do Global Research in International Affairs (GLORIA) Center of the Interdisciplinary University em Israel e editor do Middle East Review of International Affairs (MERIA) Journal. Seu livro mais recente é The Long War for Freedom: The Arab Struggle for Democracy in the Middle East (Wiley).
http://www.meforum.org/973/the-world-was-going-our-way e A Pauta
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