Por: Martha Rosenberg, no Alternet | Tradução: Gabriela Leite
Pode ser você: vêm aí testosterona spray, ritalina plus, patologização da insônia, “controle de distúrbios imunológicos” e outras promessas fármaco-publicitárias…
Está chegando ao fim, para a indústria farmacêutica mundial, a farra de lucros com alguns dos medicamentos mais vendidos. Nos Estados Unidos, expiraram as patentes de comprimidos como Lipitor, Seroquel, Zyprexa, SingulaireConcerta.
Mas não se preocupe, Wall Street.
A indústria farmacêutica não vai desapontar suas expectativas de ganhos
só porque pouca ou nenhuma droga nova está surgindo e porque falhou na
sua razão mesma de existir. Eis aqui seis novas iniciativas do marketing farmacêutico
que vão garantir que as expectativas dos investidores continuem altas,
par-e-passo com as mensalidades dos seguros-saúde. O segredo? Reciclar
drogas antigas e descreditadas e explorar o marketing de doenças para
vender algumas poucas novas drogas.
1- Repaginando a Ritalina
Um novo uso da Ritalina (metilfenidato),
a avó das drogas para TDAH, poderia ser para tratar transtornos
alimentares. Pesquisadores dizem que uma mulher que sofreu de bulimia
nervosa, transtorno bipolar I, dependência de cocaína e álcool,
transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e transtorno do
pânico “conseguiu uma remissão sustentada (por mais de um ano)” quando o metilfenidato foi adicionado à sua lista de remédios.
Mas também existem as grávidas. Um novo artigo sugere que tirar o metilfenidato durante a gravidez de uma mulher pode “representar risco significativo”
e que, “em todos os casos, as crianças se desenvolveram normalmente e
nenhum efeito adverso foi relatado,” apesar de terem sido expostas no
útero. Sim, crianças podem receber medicamentos para TDAH na mais tenra
idade: ainda como fetos.
A indústria farmacêutica
também está de olho nos idosos, como um novo mercado para as drogas que
tratam TDAH. O metilfenidato pode “melhorar a função da caminhada nos
mais velhos”, escreveram pesquisadores recentemente. E uma grande clínica patrocinada pela Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg está a caminho
de descobrir se o metilfenidato pode reduzir a apatia em pacientes com
Alzheimer. É claro que muitos pacientes com esse mal não têm apatia, mas
agitação e agressividade; estes serão excluídos.
2- Reposição hormonal masculina
Mulheres acima de 40 anos devem sentir um élan de justiça médica, diante do novo impulso para o tratamento do “Baixo T” nos homens, uma “doença” recente que agora está sendo agressivamente comercializada, incentivando a reposição de testosterona.
Por mais de 50 anos, as publicações médicas foram implacáveis em dizer às mulheres que elas estavam “sobrevivendo aos seus ovários”
(frase de propaganda real) e que a única esperança para manter a
aparência, o marido e a sanidade era a reposição hormonal. Agora, são os
homens que estão ouvindo que a decaída no desempenho sexual e na
energia, perda de massa muscular e ganho de peso os colocam na mesma
posição. A lacuna em ambas campanhas de marketing é o fato de que
pessoas não ficam velhas porque perdem hormônios; elas perdem hormônios
porque estão ficando velhas.
Muitos produtos de reposição de testosterona têm sido aprovados pela FDA
[Food and Drug Administration, agência reguladora da indústria
farmacêutica nos Estados Unidos]: pílulas, injeções e adesivos a géis e
soluções para uso tópico. Em novembro, foi aprovado o primeiro produto
de reposição de testosterona feito para ser aplicado nas axilas, como um
desodorante.
Os produtos de TRH (terapia de reposição hormonal) masculinos também implicam riscos. Eles podem agravar problemas benignos de próstata,
causar falha do coração, apneia, toxidade hepática e possivelmente
estimular o câncer de próstata, apesar de este permanecer como um risco teórico. Testosterona injetada tem sido associada a embolias e reações alérgicas extremas (anafilaxia), sendo que ambas podem ser fatais. Homens que tomamPropecia
contra a perda de cabelo podem especialmente desenvolver baixa
testosterona, o que pode não ser reversível, pois reduz-se uma enzima
envolvida na síntese do hormônio.
3- Tratar dependentes de álcool e drogas como doentes mentais que precisam de vacinas
Uma
das poucas coisas boas no alcoolismo e na adição às drogas é que eles
podem ser tratados de graça. Programas de doze passos como o dos
Alcoólicos Anônimos utilizam grupos de apoio em vez de drogas, pessoal
treinado ou seguro-saúde – e funciona. Não surpreende que as milhões de
pessoas que se recuperam sem a ajuda da indústria farmacêutica sejam o
seu mais recente alvo, na tentativa de alavancar receitas. Cada vez
mais, as corporações estão pressionando clínicas de reabilitação e
médicos a imputar diagnósticos de doença mental a pacientes em
recuperação, para vender medicamentos caros.
Pior, Nora Volkow,
a chefe do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos,
está conduzindo experimentos cruéis em primatas na tentativa de
desenvolver uma vacina para alcoolismo ou dependência. Existe algum
alcoólico ou viciado no mundo que tomaria uma dessas vacinas? Ela não
sabe que bebidas e drogas são divertidas (até determinado momento…)
e que ninguém quer parar com elas antes da festa acabar? Ela não sabe
que quando beber e usar drogas deixa de ser divertido, uma coisa chamada
negação se abate e os aditos novamente não vão tomar sua vacina?
Essas
vacinas para vícios serão vendidas a pessoas “em risco” de dependência
com base em seu histórico familiar e varreduras de seu cérebros, o que
soa um pouco, digamos, não-voluntário. E a comercialização de
tratamentos precoces agressivos para doenças que pessoas nem têm ainda (“pré-osteoporose”, “pré-diabetes”, “pré-asma” e “pré-doenças mentais”)
é um modelo de negócio infalível para a indústria farmacêutica porque
as pessoas nunca saberão sequer se vão precisar dessas drogas – ou se
precisam agora.
4- Patologizar a insônia
A
insônia tem sido uma mina de ouro para a indústria dos medicamentos.
Para encher os bolsos no mercado da insônia, as corporações criaram
subcategorias para o problema – crônica, aguda, transitória, de início
retardado e no meio-da-noite, assim como o despertar cansado. Sua
insônia é tão única quanto você! Tampouco é coincidência que as
medicações para “manter acordado” causem insônia e que as drogas para insônia, em razão da ressaca, criem o mercado das drogas para manter acordado.
Agora a indústria está anunciando que a insônia é na verdade um fator de “risco” para a depressão e que “tratar a insônia pode ajudar a tratar a depressão”.
O novo Manual de Diagnósticos e Estatística (DSM-5 [Diagnostic and
Statistical Manual]) da Associação Norte-Americana de Psiquiatria que
saiu em maio [leia mais a respeito, emOutras Palavras] também acaba de patologizar o sono.
Considerada
a bíblia dos tratamentos com drogas psiquiátricas, a última versão do
DSM trouxe uma revisão do modo como a insônia é diagnosticada e
classificada. “Se o distúrbio do sono é persistente e prejudica o funcionamento do corpo ao longo do dia, ele deve ser reconhecido e tratado”, escrevem os autores em um artigo na edição de dezembro da Journal of Clinical Psychiatry [Revista de Psiquiatria Clínica].
5- “Vender” doenças imunológicas crônicas
A
artrite reumatóide, artrite psoriática, a espondilite anquilosante e a
psoríase em placas são transtornos raros, mas você não saberia disso
pelos últimos esforços da indústria farmacêutica. Suas condições
autoimunes são cada vez mais tratadas com medicamentos frutos de
engenharia genética injetáveis como Humira, Remicide, Enbrel e Cimzia, que dão às corporações 20 mil dólares por ano por paciente.
Não causa espanto que uma recente campanha publicitária tente convencer as pessoas com dores nas costas “que nunca passam” de que elas realmente têm espondilite anquilosante. Não espanta que a propaganda da “AR” (artrite reumatóide) esteja por todos os lugares e as de remédios para psoríase em placas prometam “pele mais clara”
como se fossem cremes de beleza. Em Chicago (EUA), propagandas de
drogas caras e injetáveis apareceram em jornais de universidades, como
se fossem para a população em geral, não para pessoas com doenças
incomuns.
Como
tais drogas, chamadas de inibidoras de TNF, suprimem o sistema
imunológico, elas atraem super infecções bactericidas e fúnguicas,
herpes e cânceres raros, estes principalmente em crianças. Eles estão
conectados com o crescimento de hospitalizações, reações alérgicas
extremas e eventos cardiovasculares, tudo o que a indústria farmacêutica
tenta minimizar.
Bloqueadores de TNF também são vendidos para o enfraquecimento dos
ossos e asma, condições que iriam raramente garantir seus riscos.
Xolair, vendido para asma apesar dos avisos da FDA, recentemente foi muito falado como um grande tratamento para a coceira crônica.
6- A reciclagem do Neurontin
A apreensão da droga Neurontin (gabapentin) não foi o melhor momento da indústria de medicamentos. Uma repartição da Pfizer Inc. foi declarada culpada,
em 2008, por promover o remédio para o transtorno bipolar, dores,
enxaquecas e para afastar as drogas e o álcool, quando tinha sido
aprovado apenas para neuralgia pós-herpética, epilepsia e dor causada
por herpes zoster. A multa foi de 430 milhões de dólares. Ops. A Pfizer
realmente promoveu os usos ilegais enquanto estava sob inquérito por
atividades ilegais relacionadas ao Lipitor; e mais tarde promoveu usos
ilegais para uma droga similar, a Lyrica, enquanto estava sob o acordo
relacionado ao Neurontin! Ela parece, de fato, incorrigível.
Para vender Neurontin, a Parke-Davis, da Pfizer, lançou um elaborado “plano de publicação”,
cujo objetivo era conseguir peças de marketing disfarçadas de ciência,
em revistas médicas. Em apenas três anos, a Parke-Davis colocou 13
artigos escritos por fantasmas em publicações de medicina, promovendo usos que estão fora da bula para o Neurontin. Isso incluiu um suplemento no prestigioso Cleveland Clinic Journal of Medicine
(Revista Clínica de Medicina de Cleveland, tradução livre), que a
empresa transformou em 43 mil reimpressões disseminadas por seus
representantes. “Veja, doutor, dizem aqui que…”
E
há ainda mais duplicidade. Em 2011, três anos antes do acordo de 430
milhões de dólares, a tentativa da Pfizer chamada STEPS (“Study of
Neurontin: Titrate to Effect, Profile of Safety” — “Estudo da Neurontin: dosagem efetiva, perfil de segurança”, tradução livre) foi denunciado
por também ser publicidade, e não um estudo científico; era uma
ferramenta de vendas criada para inspirar os 772 investigadores que
participavam do experimento a prescrever o Neurontin.
Recentemente, os novos usos do remédio para tosse crônica, menopausa e insônia estão aparecendo na literatura científica. Por que ninguém parece acreditar neles?
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